2 de maio de 2016

O problema é a gaiola


Já ouviram falar em Rat Park? Foi um estudo sobre dependência de drogas realizado no final de 1970 (e publicado em 1980) pelo psicólogo canadense Bruce K. Alexander e seus colegas da Universidade Simon Fraser, no Canadá. A hipótese de Alexander era que as drogas não causam dependência, e que o vício aparente aos das drogas opiáceas comumente observados em ratos de laboratório expostos a ela é atribuível às suas condições de vida, e não a qualquer propriedade viciante da droga em si

A experiência é simples. Coloque um rato numa gaiola, sozinho, com duas garrafas de água. Uma delas tem só água. A outra tem água misturada com cocaína ou heroína. Em quase todas as vezes que se fizer essa experiência, o rato vai ficar obcecado com a água com drogas. Ele vai tomá-la até morrer.
A conclusão explica: "Se uma droga é tão viciante, nove de dez ratos de laboratório vão usá-la. E usá-la. E usá-la. Até à morte. É chamada cocaína. E ela pode fazer o mesmo com você".

Mas, nos anos 1970, um professor de psicologia de Vancouver chamado Bruce Alexander percebeu algo estranho nessa experiência. O rato está sozinho na gaiola. Ele não tem nada para fazer além de usar a droga. O que aconteceria se tentássemos algo diferente? Então Alexander criou o Rat Park. Tratava-se de uma área grande, 200 vezes maior do que uma jaula, cheia de brinquedos, túneis, perfumes, cores e, o mais importante, habitada por 16 ratinhos albinos. Ratos brancos, como humanos, são seres sociais – adoram brincar uns com os outros. Eles são muito mais felizes em grupo. Outros 16 ratinhos tiveram sorte pior – foram trancados nas jaulas tradicionais, sem companhia nem distração. Ambos os grupos tinham acesso livre a dois bebedores – um com água e o outro, morfina.

Os ratos engaiolados fizeram o que se esperava deles: drogaram-se até morrer. Mas os do Rat Park não. A maioria deles ignorou a morfina. Podendo escolher entre morfina e água, os ratinhos do parque no geral preferiam água. Mesmo quando os ratos do Rat Park eram forçados a consumir morfina até virarem dependentes, eles tendiam a largar o hábito assim que podiam. O consumo da droga entre eles foi 19 vezes menor do que entre os ratinhos enjaulados.

Ou seja, o problema não é a droga: é a jaula.
Hoje entende-se bem como funciona a química da dependência no cérebro. O centro da questão é um químico chamado dopamina, o principal neurotransmissor do nosso sistema de recompensa. Quando animais sociais ficam isolados e sem estímulos, seus cérebros secam de dopamina. Resultado: um apetite enorme e insaciável pela substância. Drogas – todas elas – têm o poder de aumentar os níveis de dopamina no cérebro, aliviando essa fissura. O nome disso é dependência.

Ou seja, não é a droga que causa dependência – é a combinação da droga com uma predisposição. E o único jeito de curar dependência é curar essa predisposição: dando a esse sujeito uma vida melhor, como Bruce Alexander fez com os ratinhos do Rat Park.

Hoje a maioria dos países desenvolvidos entendeu isso e criou políticas públicas de cuidado e acolhimento para resolver o problema da droga. O melhor exemplo disso é Portugal, que há apenas dez anos vivia uma emergência pública com um surto de dependência em heroína, e hoje é considerado inspiração para o mundo em termos de políticas de drogas bem sucedidas. O que Portugal fez foi abrir consultórios, com um atendimento de boa qualidade, que trata os dependentes com respeito, tenta enriquecer suas vidas, estimula o convívio social, incentiva-os a buscar ajuda, oferece-lhes ambientes tranquilos, acolhedores. Os resultados são bons, embora ainda haja muito a fazer.




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