5 de setembro de 2014

A culpa é do amor



A nossa mente tem um lugar especial para o amor romântico, aquele que vemos nos filmes, lemos nos romances cor de rosa e ouvimos desde pequenos nas histórias de encantar, onde há princesas em apuros e príncipes salvadores que chegam de cavalo branco. Todo este imaginário colectivo aceita o amor como algo incondicional, íntimo e eterno. O divórcio, por outro lado, surge como algo conflituoso, doloroso e que envolve uma série de burocracias, advogados e papelada diversa e acarreta normalmente sofrimento e guerra.
Parece assim que a noção de amor, que se desenvolveu principalmente no ocidente, está relacionada com o aumento da taxa de divórcios. Se não, vejamos. Até ao ano de 1600 não se ouvia falar em divórcio porque a igreja católica influenciava a sociedade, os casamentos eram arranjados e normalmente permanentes, isto é, até que a morte os separasse, independentemente de situações de abuso, diferenças irreconciliáveis, faltas de respeito, relações extraconjugais ou qualquer outra coisa. Tudo era aceite e o casamento mantido até à morte de um dos conjugues. Este casamento eterno não tinha como base o amor mas interesses vários. Habitualmente o que unia duas pessoas eram interesses comuns, de família, materiais, religiosos, políticos ou outros que nada tinham a ver com sentimento e mesmo a relação sexual era vista como pecaminosa e afastada do prazer, servia, no casamento, apenas para procriar. Procurava-se estabilidade financeira, segurança e protecção e descendência. A mulher, como dona de casa, aceitava os devaneios (esses sim amorosos) do parceiro, e  não sofria com isso e nem lhe passava pela ideia contestar esse comportamento porque a expectativa que tinha do compromisso assumido no contrato de casamento era essa. O homem, providenciava habitação, alimento e segurança para toda a família e em troca podia e devia ter amigas e amantes e não devia qualquer explicação à esposa do que fazia, onde ía ou com quem ou quando voltava. Da mulher esperava-se que fosse prendada, boa dona de casa, que tivesse filhos e fosse boa mãe, que vivesse com recato e se desse ao respeito. Se ambos cumprissem o seu papel no acordo e como não havia falsas expectativas, tudo estaria bem, sem conflitos, mágoas, sofrimentos ou divórcio.


Até ao século 18 o amor romântico não foi incentivado sendo mesmo desaprovado entre os casais e o prazer sexual era pecado.
A partir do século 18 a igreja perde influência, a necessidade de manter as propriedades no seio familiar diminui e aparece o conceito amoroso de amor e é, então, que começam os divórcios. Primeiro de forma ainda muito ténue e não aceite socialmente até à generalização dos dias de hoje,  com uma taxa, em Portugal de 70%, em 2013.
Com o surgimento desse novo conceito de amor romântico, abundantemente difundido na literatura, as mulheres começam a pensar que se devem casar por amor e não por conveniência e nasce todo um novo conjunto de expectativas em relação ao casamento, expectativas essas que levam à insatisfação e frustração.
É irónico pensar que assim que o amor entra no casamento, a noção de casamento eterno torna-se irreal e inconsistente. O sentimento romântico é emocional e, como tudo que é emocional, é passível de mudança, tornando-se, assim, viável amar e desamar e voltar a amar a mesma pessoa ou outra. Assim, um casamento construído sobre uma base romântica estará sujeito à mutação de sentimentos tornando-se,  desta forma, solúvel.
É curioso pensar que quem defende o amor parece acreditar no casamento "para sempre" e quando reflectimos um pouco sobre o assunto, verificamos que foi o próprio amor que matou o casamento. Quando ele se baseava na religião, na terra, nos deveres familiares e sociais, era estável e agora que introduzimos a variante amor, abrimos a porta à instabilidade, à mutação de sentimentos, ao descontentamento e às falsas expectativas. Afinal, parece que  a culpa é do amor...

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2 comentários:

  1. Gostei muito do texto :) Faz-nos pensar!

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  2. Obrigada Moni, a ideia é mesmo essa, fazer-nos pensar, mas não vale deixar de acreditar no Amor porque ele existe e é lindo quando é verdadeiro. Beijinhos

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