28 de março de 2016

Na cabeceira

«O Pai»: A história do bando que «infernizou» a polícia sueca nos anos 90

Por Fátima Moura da Silva
«O Pai»: A história do bando que «infernizou» a polícia sueca nos anos 90

Era uma vez quatro pequenos irmãos e um pai violento. Quando cresceram, três deles juntaram-se ao progenitor, acabando por protagonizar a história policial mais sensacional dos últimos anos na Suécia, enquanto o quarto a escreveu em livro, agora editado em Portugal. O seu vínculo foi forjado sob o jugo paterno, mas o que tornou um irmão tão diferente dos outros três? O autor tinha um objectivo na vida e recusou-se a prescindir dele: queria ser pintor e estudar Belas Artes.

«O Pai», editado agora em Portugal pela Planeta, é um livro escrito a quatro mãos por Stefan Thunberg – o quarto irmão que se recusou a entrar no mundo do crime e que se tornou num dos mais conhecidos guionistas da Suécia – e Anders Roslund, um ex-jornalista galardoado que na altura acompanhou a odisseia policial para a estação de televisão onde trabalhava e que posteriormente se tornou num dos mais bem sucedidos escritores de criminalidade escandinavos da actualidade.
«É uma história que esteve comigo toda a minha vida, é uma história que me moldou como argumentista, fez de mim o que sou como tal, o que aconteceu na minha vida fez de mim o que sou hoje», diz Stefan ao Diário Digital.
Mas, tendo a mesma história e vivências, o que tornou Stefan diferente dos irmãos? «Queria ser pintor», conta. «Ainda estive tentado, entusiasmei-me com a adrenalina incrível em que vi os meus irmãos a fazer planos e depois dos assaltos, ainda lhes disse ´contem comigo no próximo`, mas depois não fui capaz, pensei naquilo que queria realmente fazer, ser pintor, seguir Belas Artes, e percebi que aquela vida não era para mim»».
Quando encontrou Roslund começaram a falar sobre a história. «Como guionista eu não conseguia escrever sobre isto, era demasiado grande, era a minha vida. Ao mesmo tempo não queria fazer um documentário baseado numa história real». Em comum tinham um passado familiar violento.

«Os punhos do papá batem na cara da mamã como um chicote, mas fá‑lo devagar e em silêncio; antigamente conseguia‑se ouvir quando o papá dava um murro. (…) Vincent está escondido atrás das costas do irmão, e Felix continua parado junto à porta da rua. Ainda não são da mesma altura. Se fossem, Leo não teria tido de saltar‑lhe para as costas. É o que faz quando o papá começa a usar os joelhos, quando Leo percebe que desta vez o papá só parará quando ela estiver morta. Pendura‑se‑lhe nas costas e passa os braços à volta do pescoço do pai, até que por fim o papá o agarra e o arranca de cima de si. Mas ao menos neste ponto o papá tem de largar a cabeça dela».

As primeira páginas do livro são de cortar a respiração, pela violência que contêm. Pensar-se-ia que Leo, o defensor da mãe por ser o maior, nunca haveria de juntar-se ao pai. Mas não foi assim.
Stefan Thunberg tinha 25 anos quando, na véspera do Natal de 1993, ligou a televisão e viu três assaltantes de bancos a serem perseguidos pela polícia, cercados numa cabana. Eram o próprio pai e o irmão mais velho, como rapidamente percebeu, e pensou que iam morrer nessa noite. A família estava envolvida nos assaltos que, ao longo de três anos, deixaram a polícia sueca em desespero.
O maior roubo de material militar da história sueca foi perpetrado durante uma noite no Outono de 1991. Mais de duas centenas de armas, incluindo metralhadoras e espingardas de assalto AK4, e 864 cartuchos desapareceram de um armazém das Forças Armadas na cidade de Botkyrka, a sul de Estocolmo. A liderar os assaltantes esteve Carl Thunberg, um loiro alto e atlético de pouco mais de 20 anos que no livro é chamado de Leo e que viria a tornar-se no criminoso mais procurado da Escandinávia. Os seus dois irmãos mais novos e um amigo de infância eram os parceiros. Juntos, formaram o Gangue Militar, uma associação criminosa que executou uma dúzia de roubos de bancos com extrema precisão durante meses.
Naquela noite de Natal, «o que é que aconteceu entre o meu pai e o meu irmão mais velho durante aquelas horas, esperando a emboscada da polícia, agachando-se durante a noite? O que é que aconteceu nessa noite entre eles, o que é que disseram um ao outro naquelas horas tão intensas em que estiveram cercados e sem escapatória? Isso perseguiu-me durante anos», conta Stefan.
São esses momentos que constituem o coração do livro, toda a acção serve para levar às últimas 10 páginas, momentos que nunca nenhum dos dois contou, mas cuja versão ficcionada o irmão diz estar muito perto da verdade.



«Talvez eu fosse a pessoa errada no lugar errado, mas fiz a coisa certa», disse-lhe uma vez o pai, muito depois. «Eu atrasei-o». «Mas em relação a quê»?, perguntou-lhe Stefan. «Não quero falar sobre isso. Talvez tenha salvo o teu irmão», respondeu o pai.
«Stefan queria quebrar a realidade em pedaços e reconstruí-la em ficção, e foi isso que tivemos em mente todas as manhãs, enquanto trabalhávamos», afirma Roslund.
«Há coisas que alterámos, em relação à verdade dos acontecimentos, mas o que me preocupou foi a verdade emocional», diz Thunberg. «Quis mostrar a verdade nas relações entre este pai e os seus filhos, que tantas vezes passa pela violência». 

O pai de Stefan morreu há seis meses, nunca fizeram as pazes. Há coisas que não são possíveis. «Mas estou em paz comigo, com as minhas escolhas», diz. Fez a catarse de uma vida inteira durante dois anos e meio num livro de 500 páginas e conseguiu pacificar-se, entender-se a si próprio e à sua família. Está em paz com os irmãos, que actualmente levam vidas normais depois de terem cumprido as mais pesadas penas de prisão.
«Estando de fora, nunca vi laços tão fortes entre irmãos e foi precisamente o pai que os levou a criá-los. Anos depois, o próprio pai teve de tornar-se assaltante para se integrar entre eles. É como eu vejo isto», afirma Roslund.
Roslund era também filho de um pai violento, pelo que também foi perseguido pela questão pai-filho durante toda a vida. Além disso, enquanto jornalista da televisão cobriu todo o dossier, os assaltos, as perseguições e os julgamentos, pelo que estava completamente embrenhado no assunto.
«Tinha uma curiosidade enorme, porque é que três irmãos sem antecedentes criminais se tinham envolvido nisto tudo, e percebi que isto era mais do que uma história de assaltos, era uma história de «pai-filho», considera.
«O Pai» vai ser levado ao cinema: a DreamWorks adquiriu os direitos e Steven Spielberg deverá realizar o filme.
No prelo na Suécia está já o livro seguinte, que em Portugal o autor calcula que venha a chamar-se «O Filho».




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