10 de fevereiro de 2015

O relógio parado às sete...

Hoje partilho convosco um texto  do psicoterapeuta argentino Jorge Bucay.

"Numa das paredes do meu quarto, encontra-se pendurado um bonito relógio antigo, que deixou de trabalhar. Os seus ponteiros, parados praticamente desde sempre, assinalam imperturbáveis a mesma hora: as sete em ponto.
A maior parte do tempo, o relógio é apenas um inútil objecto de decoração numa parede branca, vazia. No entanto, há dois momentos durante o dia, dois fugazes instantes, em que o velho relógio parece renascer das cinzas como uma fénix. Duas vezes por dia, de manhã e à noite, o relógio sente-se em completa harmonia com o resto do Universo.
Se alguém olhar para o relógio apenas nesses dois instante, diria que funciona às mil maravilhas... mas, passado esse momento, quando os restantes relógios calam os seus cantos e os ponteiros prosseguem o seu monótono caminho, o meu velho relógio perde o passo e permanece fiel aquela hora em que, um dia, deteve o seu andar.
Também eu estou parado no tempo. Também eu me sinto preso e imóvel. Também eu sou, de alguma maneira, um adorno inútil numa parede vazia.
Mas desfruto também de momentos fugazes em que, misteriosamente, chega a minha hora.
Durante esses momentos, sinto que estou vivo. Tudo se torna claro e o mundo afigura-se-me maravilhoso. Consigo criar, sonhar, voar, dizer e sentir mais coisas nesses instantes do que no resto do tempo. Essas conjugações harmónicas ocorrem e repetem-se uma e outra vez, como uma sequência inexorável.
A primeira vez que o senti, tentei agarrar-me a esse instante, pensando que o poderia fazer durar para sempre. Mas não. Como acontece com o meu amigo relógio, também a mim se me escapa o tempo dos demais. ... Passados estes momentos, os outros relógios, que vivem dentro de outros homens, continuam a sua rotação e eu volto à minha rotineira morte estática, ao meu trabalho, às minhas conversas de café, ao meu entediado passo a que costumo chamar vida.
Mas sei que vida é outra coisa.
Sei que a vida, na verdade, é a soma daqueles momentos que, ainda que fugazes, nos permitem perceber a sintonia com o Universo. "

Uma das coisas que julgo ser mais prejudicial  ao ser humano é aspirar a ser feliz todos os minutos, todos os dias. Isso é utópico e pode levar a que não apreciemos verdadeiramente os nossos momentos de felicidade. 

Hoje em dia somos bombardeados continuamente com a aparente felicidade alheia, via redes sociais. Parece que toda a gente é feliz a todas as horas e esquecemo-nos que as pessoas só expõem em público o lado positivo da vida. As tristezas, as frustrações, as traições, os desamores, e outros obstáculos são, na sua maioria das vezes, escondidos e vivenciados, em sofrimento, na intimidade. 

Não devemos avaliar a nossa vida pela vida dos outros porque nunca sabemos verdadeiramente que vida é essa. Temos de aprender a desfrutar dos nossos momentos felizes  e aprender com os momentos menos bons. A vida é feita de ciclos, umas vezes estamos no alto da montanha, com a beleza estonteante da paisagem à nossa frente, e outras vezes estamos no vale escuro e sem sol. São duas faces da mesma moeda a que chamamos vida e, na verdade, seríamos incapazes de apreciar e dar valor a uma se a outra não existisse.

Sem comentários:

Enviar um comentário